domingo, 6 de fevereiro de 2011

Trocada por uma religião

Ontem, enquanto tentava aquecer os ossos, debaixo do chuveiro, tropecei na imagem mental de uma amiga, desaparecida da minha vista mas não do meu coração.
Conheço-a desde miuda, já lá vão uns bons 23 anos.
Bem vistas as coisas não falamos há 10... assim, arredondando a coisa.
Era uma criatura doce, com um coração de ouro e gostava dela como de uma irmã. Passavamos férias juntas, tinhamos um grupo de amigos espectacular. Ela vivia um pouco amordaçada, regras de conduta impostas por uma religião que respeito mas não compreendo.
Foi quando começámos a ter uma vida social mais activa que começou o afastamento. Apesar do nosso respeito sentimos que ela começou a ser pressionada pela família e pela comunidade religiosa para se afastar do grupo de amigos.
Hoje posso dizer que me arrependo de não ter lutado mais por ela. Mas os meus 20 anos, diziam-me que não tinha força suficiente para a manter comigo. O que lhe era exigido pelos pais era superior à nossa amizade. Era bonita, saudável, inteligente e rica. Tinha de encontrar marido com as mesmas características, dentro da comunidade religiosa.
Acho que foi isso que aniquilou a nossa relação.
Numa ida ao cinema diz-me que está interessada num rapaz e que até teriam saído algumas vezes. O olhar dela denunciava a animação que ela estava a dar à conversa. Fingi não perceber. Não lhe fiz as perguntas que faria se fosse com outra amiga. Se lhe foi permitido sair com ele era porque assim tinha sido  instruída. Era porque ele era daquela religião, era porque ele regia-se por aquela conduta severa, era porque ele era bonito, saudável e também tinha muito dinheiro.
Mas esta terra é pequena e à saída do cinema, ele passou de carro por nós e ela ruborizou quando o viu. "É ele, é ele!"
"Ele?" - e devo ter ficado verde. "Andas a sair com ele?"
Eu conhecia de vista o "Ele". Tomávamos café no mesmo local. Via-o praticamente todos os dias. No café, quando saía em trabalho, nos bares, na discoteca. Por um colega de trabalho sabia que ele era muito rico. Por uma colega sabia que ele era um mulherengo, andava com várias ao mesmo tempo. Só não sabia que ele era daquela religião.
Assim que ela viu a minha cara quis logo saber o que se passava.
E o meu dilema começou. Digo, não digo, digo, não digo. Já toda a gente sabe que quando nos metemos entre relações, acaba sempre por sobrar para nós.
Pedi-lhe um tempo. Deu-me uma noite. Às oito da manhã do dia seguinte ligou-me.
Sabendo o risco que corria, contei-lhe tudo. Disse-lhe até, onde o poderia encontrar em determinadas alturas e quem era uma das namoradas dele.
Ela inteligente e sóbria como era, pesquisou e certificou-se de tudo antes de o confrontar e denunciar a coisa aos pais. Soube que acabaram. A partir daí afastou-se de mim e começou a aproximar-se cada vez mais de uma amiga nossa.
Passados uns tempos, conheci o meu marido e ao fim de dois anos, casámos.
Fui à sede da empresa da família dela e entreguei o convite à mãe porque não consegui encontrá-la.
Fi-lo mas nunca esperei que fosse. A religião não lhe permitia entrar no local de culto de outras religiões.
 Mas no dia do meu casamento lá estava ela. Sóbria e linda. E eu inchei de alegria. Quando a vi entrar na igreja fiquei pasma.
A partir daí desapareceu do mapa. Abriu umas filiais pelo país, comprou uma casa enorme para viver sozinha.
Um Natal, andava às compras com o meu marido quando a encontrei. Postei-me à sua frente. Aguardei que terminasse um telefonema. E falámos de tudo sem falar de nada. Que conversa tão esquisita.
E foi então que ela anunciou que ía casar. Fiquei feliz. Muito.
Não me quis dizer quem ele era. Disse-me apenas que Eu não o conhecia e pôs um ponto final no assunto. E eu senti-o como um ponto final na nossa amizade. Teria medo que lhe estragasse novamente outro arranjinho perfeito?
Soube por um amigo que tinha casado e que o marido era do norte. Muito, muito rico. Do nosso grupo convidou apenas duas pessoas. Magoou muita gente mas foi a opção dela.
Vi-a há uns anos. Ela não me viu e eu não me fiz ver. Estava com ele. Um homem lindo. Ela continua linda. 
Nunca mais tentei falar com ela. Sei que abdicou da empresa dela por causa dele. Vive longe. 
Há tempos encontrei um amigo que faz parte da comunidade dela. Não resisti e perguntei por ela. Mandei-lhe um Beijo.
E apesar de tudo, para mim, ela continua a ser minha Amiga. Há-de ser sempre.

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